terça-feira, 24 de novembro de 2015

Caderno do Nós, 24/11 - Noturno

Das Particularidades do Gesto e do Movimento


Logo no início do nosso encontro de hoje, Renata trouxe à baila um exemplo do texto Gesto e Percepção, escrito por Hubert Godard  a respeito das características específicas do movimento de Fred Astaire e Gene Kelly (e não Ginger Rogers, que também tem suas particularidades de movimento). Do texto de Godard, retiro um trecho (2002, 15-16):

No filme Ziegfeld follies, de Vincent Minelli, de 1945, Fred Astaire e Gene Kelly executam um duo  em que realizam exatamente os mesmos gestos, ao mesmo tempo. No entanto, o efeito produzido por cada um dos dançarinos é radicalmente diferente. Como explicar essa diferença? Ao assistir ao filme em slow motion, quadro a quadro, podemos ver que, apesar da intenção dos dançarinos de produzir os mesmos movimentos, a antecipação do ataque do gesto, o pré-rnovimento, é oposto em cada um dos dois.

Ora, qual a importância desta discussão para a disciplina? Renata esclareceu que o interesse não é produzir movimentos idênticos ou que consigamos todos nos movimentar de uma forma pré-determinada, mas que seja possível entender os elementos que constituem nossa corporeidade, dos gestos que fazem parte dela e que se constroem de maneira específica em cada um de nós. Tanto seres humanos quanto máquinas produzem movimentos. Mas apenas seres humanos são capazes de criar gestos e estes se estruturam a partir da dinâmica do tônus com a gravidade, cuja relação se concretiza de maneira muito particular em cada ser humano, afinal, o tônus e a forma como nos relacionamos com o peso de nosso corpo estão diretamente relacionados à história de vida de cada pessoa e à forma como cada pessoa vivencia essa história. Como ressalta Godard, todas as dimensões afetivas e projetivas entram nessa dança. Sendo assim, é indispensável ter consciência de como nós cada um de nós construímos essa história corporal, de modo a conseguir entender melhor como lidamos com a nossa expressividade gestual. Mais uma vez, recorrendo a Godard (idem, 20), "Todos esses elementos contribuem para tecer a relação simbólica que vai vincular, no indivíduo atitude corporal, afetividade e expressividade, sob a pressão flutuante do meio em que está inserido".

Terra (2008), numa tentativa de diálogo entre Godard e Klauss Vianna, propõe o trabalho de Klauss como dinamização das forças geradoras da expressividade, que se localizam no espaço entre o princípio e o fim, entre a pausa e o movimento. Klauss não estava interessado na forma, no movimento pré-determinado, seu interesse estava em encontrar um caminho, o qual seria traçado pelo intérprete segundo suas especificidades e lugar no mundo.

Da Expressão Facial


Mapa da direção (vetores) dos músculos que organizam a expressão facial

Dando prosseguimento ao encontro, começamos a estudar a estrutura muscular da expressividade facial. A primeira etapa desta proposta envolveu a sensibilização dos músculos faciais, inicialmente usando a mão oposta ao lado que seria estimulado. O polegar (limpo) passava por dentro da bochecha, enquanto que os demais dedos passavam por fora, na diagonal entre orelha e lábios, tento atenção de movimentar o músculo da bochecha na direção oposta, na tentativa de impedir a deformação facial e de fortalecer a consciência deste músculo.

Exercícios similares de sensibilização foram feitos em diversas partes do rosto, tento sempre a atenção de ir nos conscientizando para a complexidade da expressão facial e em como acionamos vários músculos ao tentar fazer determinada máscara, não raras vezes de forma não intencional, padrões que vamos adquirindo no decorrer de nossa história corporal e que precisamos ter consciência se desejamos aprofundar o que Bolsanello (2011) chama de "autenticidade somática".

A próxima etapa envolveu observar diversas máscaras faciais, que podem ou não estar em relação a uma máscara-objeto, a qual é aqui entendida como uma extensão do corpo, devendo este último adequar gestos e tônus à expressividade que ela propõe, independentemente do que é revelado ou ocultado fisicamente por ela.

Então, foi proposto que experimentássemos expressões "curtas", "longas", "largas" e "estreitas", procurando jogar com excessos e sutilezas, e tentando encontrar possibilidades de adequação da expressão à projeção vocal.

Finalmente, nós tentamos conectar expressão facial e movimento, tendo uma sonoridade proposta ao fundo, inicialmente uma música que já era familiar para nós e depois algo que me pareceu um experimento sonoro.

Existe máscara neutra? (Buster Keaton)
"(...) o tônus é de fato constituído para fornecer uma base material à vida afetiva" (Wallon apud Gandolfo, 2013

O que dizem as máscaras cotidianas?



Kabuki


Catirina, do Cavalo Marinho (A paixão e a sina de Mateus e Catirina)

Mateus, Catarina e Birico (Boi Calemba)


Carmen Miranda
Índio Kariri-Xocó (fotografia de Daniel Pátaro)
Mateus ou Bastião? (Revista Raiz)
Imagens inspiradoras!!
Pra quem quer continuar analisando expressões do rosto, vai a ótima dica do  Ariel.

Charles Le Brun (1619-1690). Foi primeiro pintor do rei Luís XIV e ocupou-se da decoração da Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes. Nos seus desenhos, os seres humanos resultam abestalhados (ver galeria, figuras 1 a 23).

Referências

BOLSANELLO, D. P. A educação somática e os conceitos de descondicionamento gestual, autenticidade somática e tecnologia interna. Motrivivência, ano XXIII, n. 36, p. 306-322, 2011.

GANDOLFO, L. Eutonia: a percepção da variação do tônus através da tenção às sensações corporais. In: Encontro Paranaense, Congresso Brasileiro de Psicoterapias Corporais, XVIII, XIII, 2013.

GODARD, H. Gesto e percepção. In: Lições de Dança, 3. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora, 2002.

TERRA, A. Klauss Vianna e a Expressividade como Devir Dramatúrgico da Dança. In: Anais do
V Congresso da ABRACE. UFMG: Belo Horizonte, 2008.

2 comentários:

  1. Além do teatro outra paixão da minha vida são as pinturas os desenhos; estão sempre me fascinando. Charles Le Brun tem um trabalho (Homens e Bestas), que talvez muitos já tenham visto. Mas estarei postando o link para quem quiser ver as imagens dele, onde ele compara a face de um animal com a do homem, me trouxe ideias bacanas para a expressão facial:

    http://tendimag.com/2012/09/03/homens-e-bestas-4-charles-le-brun/

    Obs.: Caso você clicar no link e não abir, aconselho que selecione o link e copie, colando em seu navegador (aonde você digita www.) em seguida só dar enter.

    abraço

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  2. Para provocar o Aryel com juntar várias paixões em uma só: https://www.youtube.com/watch?v=e4ba309H0WI

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