UFU
– Universidade Federal de Uberlândia
Consciência Corporal I
Consciência Corporal I
O SILÊNCIO ANTES DA PALAVRA
Victor
Marcitelli
INTRODUÇÃO
Durante
a disciplina encontrei semelhanças entre os textos passados e o que estava
estudando paralelamente no grupo de pesquisa em máscara, coordenado pela
professora Vilma Campos.
Godard e Lecoq estudam a análise do movimento e do gesto, são dois pontos de vistas diferentes, um aprofunda na dança outro no teatro, embora usem termos diferentes vejo que os dois autores se complementam em suas definições, com olhares diferentes os dois tem objetivos em comum, tocar o público, investem em uma arte que acesse e transforme as pessoas, trabalham com um “olhar refinado” onde cada movimento é preenchido, com tônus e emoção. Do ponto de vista pedagógico senti que o processo de educação somática complementa e auxilia o trabalho com máscaras, principalmente com a máscara neutra, também relacionei as ideias da Bolsanello com a pedagogia do Lecoq.
Godard e Lecoq estudam a análise do movimento e do gesto, são dois pontos de vistas diferentes, um aprofunda na dança outro no teatro, embora usem termos diferentes vejo que os dois autores se complementam em suas definições, com olhares diferentes os dois tem objetivos em comum, tocar o público, investem em uma arte que acesse e transforme as pessoas, trabalham com um “olhar refinado” onde cada movimento é preenchido, com tônus e emoção. Do ponto de vista pedagógico senti que o processo de educação somática complementa e auxilia o trabalho com máscaras, principalmente com a máscara neutra, também relacionei as ideias da Bolsanello com a pedagogia do Lecoq.
EDUCAÇÃO
SOMÁTICA E MÁSCARA NEUTRA
Bolsanello
escreve as características recorrentes no método de Educação Somática, elegi algumas
para relacionar com outros textos:
“1.
A diminuição do ritmo: O professor propõe que o aluno faça os
movimentos de forma mais lenta do que habitualmente ele faz a fim que possa
perceber as estruturas músculo-esqueléticas implicadas quando executa o
movimento”. É o primeiro passo de uma tomada de consciência de como se executar
um movimento de maneira justa.
2.
A respiração como suporte do movimento: O professor não dita um ritmo respiratório
para a execução do movimento, mas pede ao aluno que use seu próprio ritmo
respiratório como suporte do movimento. (...)
4.
A auto-pesquisa do movimento: As comandas não dirigem o
aluno à mera execução de uma sequência de movimentos, nem a um aperfeiçoamento
dessa seqüência. Trata-se de incitar o aluno a explorar, através do movimento,
conexões entre partes do corpo aparentemente desconexas. (...)
6.
A busca do esforço justo: O professor pede ao aluno que procure o
tônus ótimo para realização do movimento proposto a fim de que o aluno comece a
distinguir as variações de seu tônus e comece a integrar a capacidade a regular
seu tônus de acordo com a situação e com o objetivo da tarefa a ser feita.”
(2011: 308) “
A cerca da máscara neutra
Lecoq explica:
“A máscara neutra é um objeto particular. É um rosto, dito neutro, em equilíbrio, que propõe a sensação física da calma. Esse objeto colocado no rosto deve servir para que se sinta o estado de neutralidade que precede a ação, um estado de receptividade ao que nos cerca, sem conflito interior. (...) Quando o aluno sentir esse estado neutro do início, seu corpo estará disponível, como uma página em branco, na qual poderá inscrever-se na “escrita” do drama.(...) A máscara neutra, está em estado de equilíbrio, de economia de movimentos. Movimenta-se na medida justa, na economia de gestos e de ações.”(2010: 69)
“A máscara neutra é um objeto particular. É um rosto, dito neutro, em equilíbrio, que propõe a sensação física da calma. Esse objeto colocado no rosto deve servir para que se sinta o estado de neutralidade que precede a ação, um estado de receptividade ao que nos cerca, sem conflito interior. (...) Quando o aluno sentir esse estado neutro do início, seu corpo estará disponível, como uma página em branco, na qual poderá inscrever-se na “escrita” do drama.(...) A máscara neutra, está em estado de equilíbrio, de economia de movimentos. Movimenta-se na medida justa, na economia de gestos e de ações.”(2010: 69)
Jacques Lecoq e máscara neutra feita por
Amleto Sartori.
O
“esforço justo” que Bolsanello cita é muito parecido com a “economia de
movimento” do Lecoq, assim como a diminuição do ritmo e o suporte da respiração
podem colaborar para encontrar o estado de calma da máscara neutra, por fim, a
auto-pesquisa é o que dá base para o teatro físico.
Outra coisa em comum entre esses processos é que ambos são métodos de base para o artista, tanto a educação somática quanto a máscara neutra são apresentados aos alunos no começo dos estudos, são de suma importância para tirar os alunos do cotidiano, somente saindo do campo cotidiano é que conseguimos transpor os movimentos, é aí que a poesia surge, que a pesquisa ganha força.
Outra coisa em comum entre esses processos é que ambos são métodos de base para o artista, tanto a educação somática quanto a máscara neutra são apresentados aos alunos no começo dos estudos, são de suma importância para tirar os alunos do cotidiano, somente saindo do campo cotidiano é que conseguimos transpor os movimentos, é aí que a poesia surge, que a pesquisa ganha força.
Geralmente
os atores que ingressam na escola do Lecoq vêm de outros países e já chegam com
uma experiência em teatro, ele diz:
“Temos de retirar um pouco daquilo que sabem, não para simplesmente eliminar o que sabem, mas para criar uma página em branco, disponível para receber os acontecimentos externos.” (2010: 57).
“Temos de retirar um pouco daquilo que sabem, não para simplesmente eliminar o que sabem, mas para criar uma página em branco, disponível para receber os acontecimentos externos.” (2010: 57).
Está “página em branco” é onde quero chegar com a educação somática, um corpo em pesquisa, disponível para receber o jogo teatral.
“A máscara é a mais extraordinária
experiência de liberação que se pode imaginar. (...) O despertar da consciência
do próprio corpo é imediato e inevitável.”
Peter Brook
Peter Brook
FUNDO
POÉTICO
Godard conceitua o pré-movimento, que somente o acesso ao imaginário permite tocar, isto é: “essa atitude em relação ao peso, à gravidade, que existe antes mesmo de se iniciar o movimento, pelo simples fato de estarmos em pé. Esse pré-movimento vai produzir a carga expressiva do movimento que iremos executar (...). É ele que determina o estado de tensão do corpo e que define a qualidade e a cor específica de cada gesto. O pré-movimento age sobre a organização gravitacional, isto é, sobre a forma como o sujeito organiza sua postura para ficar em pé e responder à lei da gravidade, nessa posição [...]. São ainda esses músculos que registram as mudanças em nossos estados afetivo e emocional. Assim toda modificação de nossa postura terá uma incidência em nosso estado emocional e, reciprocamente, toda mudança afetiva provocará uma modificação, mesmo que imperceptível, em nossa postura” (2002: 14).
Godard e Lecoq abordam o estudo do gesto, mas de pontos de vista diferentes, os dois tem o mesmo objetivo, mas chegam nele por vias distintas, Godard tem uma abordagem mais anatômica do corpo quando fala do pré-movimento, e Lecoq traz uma apropriação cultural, ele explica que o fundo poético comum trata-se de:
“Uma dimensão abstrata, feita de espaços, de luzes, de cores, de matérias, de sons, que se encontram em cada um de nós. Esses elementos estão depositados em nós, a partir de nossas diversas experiências, de nossas sensações, de tudo aquilo que vimos, escutamos, tocamos, apreciamos. Tudo isso fica em nosso corpo e constitui o fundo comum a partir do qual surgirão impulsos, desejos de criação”(2010: 82).
Eu me pergunto: qual será a relação do pré-movimento com o fundo poético comum?
Sobre
os dançarinos de Cunningham, Godard disserta:
“O dançarino sabe que deve desenhar a forma sem ruído, para não imprimir alteração nessa construção. Ele não está lá para se ser visto, mas para permitir o surgimento do signo procurado ou provocado pelo acaso. Podemos considerar a atitude postural e o pré- movimento, que antecipam inevitavelmente o gesto, como um plano de fundo sobre o qual se desenha o movimento aparente: a figura.(...) A ausência de modificação perceptível antecipando o movimento permite que vejamos não mais o indivíduo que dança, mas a figura que é desenhada. O distanciamento entre a emoção do dançarino e aquilo que ele produz ocorrerá, em seguida, no espectador: entre a figura observada e sua própria emoção” (2002: 27).
“O dançarino sabe que deve desenhar a forma sem ruído, para não imprimir alteração nessa construção. Ele não está lá para se ser visto, mas para permitir o surgimento do signo procurado ou provocado pelo acaso. Podemos considerar a atitude postural e o pré- movimento, que antecipam inevitavelmente o gesto, como um plano de fundo sobre o qual se desenha o movimento aparente: a figura.(...) A ausência de modificação perceptível antecipando o movimento permite que vejamos não mais o indivíduo que dança, mas a figura que é desenhada. O distanciamento entre a emoção do dançarino e aquilo que ele produz ocorrerá, em seguida, no espectador: entre a figura observada e sua própria emoção” (2002: 27).
O
termo emoção significa etimologicamente: “pôr em movimento”. O conceito do
Plano de fundo que Godard traz é muito parecido com o fundo poético comum do
Lecoq, uma atmosfera é instaurada e não vemos mais o ator em cena, vemos um
corpo que conta uma história, e a emoção chega ao público, porque ele se reconhece em cena, essa identificação faz
com que deixemos de lado o ego do ator e a obra se abre para a plateia, é aí
que o teatro acontece.
foto: Marvin Silver/Cunningham Dance
Foundation
Godard
ainda cita a pesquisa de Trisha Brown:
“Trisha Brown esconde também os signos produzidos pela face, sendo o rosto um dos raros lugares do corpo onde se inscreve uma retórica imediatamente legível. Escondendo seu rosto, ela priva o público de signos de afeto, proíbe qualquer interpretação intempestiva de sua dança e impõe a visão do fundo. (...) Trisha Brown considera que o dançarino deve se deixar tocar por seu próprio gesto, tocando assim o espectador. Considera também que a presença do espectador e do meio podem influenciar e modificar a representação. A partir daí, dançarino e espectador embarcam na direção da terra incognita de espaços sensíveis a serem descobertos”(2002: 28).
“Trisha Brown esconde também os signos produzidos pela face, sendo o rosto um dos raros lugares do corpo onde se inscreve uma retórica imediatamente legível. Escondendo seu rosto, ela priva o público de signos de afeto, proíbe qualquer interpretação intempestiva de sua dança e impõe a visão do fundo. (...) Trisha Brown considera que o dançarino deve se deixar tocar por seu próprio gesto, tocando assim o espectador. Considera também que a presença do espectador e do meio podem influenciar e modificar a representação. A partir daí, dançarino e espectador embarcam na direção da terra incognita de espaços sensíveis a serem descobertos”(2002: 28).
Trisha Brown em seu solo If you couldn’t see me, de 1994.
Integralmente dançado de costas.
Ao esconder o rosto em sua dança, Trisha Brown busca o mesmo que o Lecoq com a máscara neutra, uma representação que não se resuma a expressões faciais, um corpo que fala, a instauração de um espaço sensível, o silêncio antes da palavra.
Lecoq
encerra o capítulo sobre o fundo poético da seguinte maneira:
“Quando o ator levanta um braço, o público tem de receber um ritmo, um som, uma luz, uma cor. A dificuldade pedagógica é a de ter o olhar suficientemente treinado para discernir, entre diferentes gestos propostos, qual expõe o gesto explicativo, o formal, ou o poético justo. Pouco a pouco, os alunos chegam a ter um olhar sutil sobre as nuances dos gestos. Na realidade, o público deveria ter esse mesmo olhar... então descobriria riquezas desconhecidas. Mas o comum é oferecer-lhe tamanha quantidade de banalidades, que isso se torna praticamente impossível. A formação do olhar é tão importante quanto a formação da criatividade. De nada serve oferecer um bom vinho àqueles que não podem apreciá-lo! É o que chamo de cultura: poder realmente apreciar as coisas.”
“Quando o ator levanta um braço, o público tem de receber um ritmo, um som, uma luz, uma cor. A dificuldade pedagógica é a de ter o olhar suficientemente treinado para discernir, entre diferentes gestos propostos, qual expõe o gesto explicativo, o formal, ou o poético justo. Pouco a pouco, os alunos chegam a ter um olhar sutil sobre as nuances dos gestos. Na realidade, o público deveria ter esse mesmo olhar... então descobriria riquezas desconhecidas. Mas o comum é oferecer-lhe tamanha quantidade de banalidades, que isso se torna praticamente impossível. A formação do olhar é tão importante quanto a formação da criatividade. De nada serve oferecer um bom vinho àqueles que não podem apreciá-lo! É o que chamo de cultura: poder realmente apreciar as coisas.”
Embora sua definição de cultura seja bem
específica do lugar de onde ele nasceu, acho importante este estudo do olhar
para o artista, principalmente do olhar interno que a educação somática propõe,
são coisas para se pensar antes de entrar em cena e quando falamos de formação
de ator e público.
“O meu pensamento modela os gestos assim
como o polegar do escultor modela as formas: o corpo, esculpido do interior,
distende-se e eu sou ao mesmo tempo escultor e estátua.”
Etienne Decroux
Etienne Decroux
BIBLIOGRAFIA
BOLSANELLO,
Débora Pereira. A Educação Somática e os conceitos de descondicionamento
gestual, autenticidade somática e tecnologia interna. Motrivivência, ano
XXIII, n. 36, p. 306-322, 2011.
GODART, Hubert.
Gesto e percepção. In: Lições de Dança, 3. Rio de Janeiro:
UniverCidade Editora, 2002.
PRECIOSA, Rosane
Sequeira. Rumores discretos da subjetividade, Disponível em: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/rumoresdiscretosdasubjetividadepreciosatese.pdf.
Acesso em: 11 dez. 2015.
LECOQ, Jacques.
O Corpo Poético Uma pedagogia da criação teatral. – são Paulo : Editora Senac
São Paulo: edições SESC SP, 2010.
Museu
Internacional da Máscara: a arte mágica de amleto e Donato Sartori / curadoria
de Carmelo Alberti e Paola Piizzi; tradução de Maria de Lourdes Rabetti. – São
Paulo: É Realizações, 2013.
Foto 1 Site do Ricardo Napoleão, Disponível em: <http://ricardonapoleao.com.br/index.php/o-jogo-das-mascaras-1-e-2/>
Acesso em 15 dez. 2015-12-15
Foto 2 Site do The New York Times, Disponível em: < http://www.nytimes.com/slideshow/2009/07/27/arts/20090727_CUNNINGHAM_SLIDESHOW_7.html?_r=0>
Acesso em 16 dez. 2015-12-15
Foto 3 informações sobre trisha brown, Disponível em: < http://www.walkerart.org/collections/publications/performativity/drawings-of-trisha-brown/>
Acesso em 18 dez. 2015-12-15
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