segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Vale ver e rever este trabalho e conhecer o universo criativo de Pina Bausch  - Teatro Noturno - UFU fev2013 - Livia Chumbinho


“Um dia, quando eu terminava O Pássaro de Fogo em São Petersburgo, tive uma visão fugidia num momento em que minha mente, surpreendentemente, estava ocupada com várias outras coisas. Imaginei um solene rito pagão: sábios anciãos, sentados em círculo, assistindo uma garota que dança até morrer. Eles a estão sacrificando para apaziguar o deus da primavera. Este é o tema de A Sagração da Primavera.”
Igor Stravisnk
 
"A sagração da Primavera"
É um marco no modernismo tanto na música quanto na dança e na dança-teatro na arte universal.
 
 
 
Essa abordagem da condição feminina também é uma característica da coreografia de Pina Bausch. Criada em 1975, quando Pina iniciava sua trajetória à frente da Tanztheater Wuppertal, ela também se afastava dos rituais da Rússia antiga. No lugar da representação do rito na natureza, concentrou-se no terror do homem diante da morte. "Pina aborda esta fábula do ritual para trabalhar as relações humanas, tema investigado em toda a sua trajetória", diz Cássia Navas, pesquisadora de dança da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultora do Teatro de Dança. Em cena, os movimentos são violentos, evocando a força da chegada da primavera. A criação explora os sentimentos que a partitura da Sagração provocaram em Stravinsky, "uma convulsão imensa, como se toda a terra fosse sacudida em determinado momento".

A batalha entre vida e morte concebida por Pina Bausch acontece sobre um palco coberto de lama, representando uma arena arcaica. Aos poucos, a lama se aloja nos pés descalços, nas calças pretas e nos peitos nus dos bailarinos, nas camisolas transparentes, cor da pele, das mulheres. Em cena, um casal se destaca dos demais - fisicamente e pela diferenciação do figurino: a mulher veste camisola vermelha. Após uma dança frenética do coro, em movimentos que trabalham braços e pernas semiflexionados e buscam a terra ao mesmo tempo em que expressam grande tormenta, o casal em destaque se divide. O homem junta-se aos demais, deixando sua companheira solitária, entorpecida pelo medo.

"A Sagração da Primavera foi um divisor de águas não só para a dança, mas para a história da arte", diz a pesquisadora Cássia Navas. Para Luis Arrieta, coreógrafo e bailarino argentino radicado no Brasil que encenou sua própria versão da obra em 1985, a música de Stravinsky é "dotada de força e essencialidade incomuns". Segundo ambos, de Nijinsky a Pina Bausch, a ênfase na sexualidade sempre foi uma constante, com movimentos pélvicos, violentos e curvados, dotados de extrema intensidade. "Cada coreógrafo abordou a força primordial da vida na sua criação, situando-a na sua cultura, na sua história, no seu tempo. E todos endossaram os gestos primeiros de Nijinsky", diz Arrieta.

Maurice Béjart, Martha Graham e Pina Bausch foram, cada um a seu modo, inovadores na arte da dança. A alemã chegou a promover uma verdadeira revolução na linguagem ao aproximá-la da arte teatral. Nos primeiros anos de sua carreira, muitos bailarinos se recusaram a trabalhar com ela, e, em suas primeiras peças, pessoas saíam do teatro batendo as portas. Aos poucos, no entanto, a arte inovadora desses três criadores foi entendida e absorvida ao longo de um século - o 20 - em que a vanguarda se tornou o mainstream. No dia 29 de maio de 1913, a vaia mostrou que Stravinsky e Nijinsky estavam no caminho certo - o da contestação. Estabelecido o mito inaugural da vanguarda, vários artistas certamente sonharam com uma vaia assim. Já há algum tempo, no entanto, ela não é mais possível - e o fato de Martha Graham, Maurice Béjart e Pina Bausch nunca terem sido apupados por suas Sagrações é uma prova disso.

Gabriela Mellão é jornalista.

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